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A mostrar mensagens de 2014

"até amanhã" (ou até sempre)

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Nos últimos dias emprestei a minha alma a uma vida que já não é minha. Até dormi num quarto que não é meu, nem é de ninguém. Vai sendo de por quem lá passa na mesma medida em que um qualquer outro será meu em breve. Está a chegar a hora. A hora de deixar os planos, a hora de pôr a minha vida numa mala e ir. Trancar 20 anos com um fecho éclair e meter-me num comboio com destino ao meu futuro, por muito incerto que ele possa ser. Chegou a hora de… Não sei que hora é, não sei o que me espera nem sei o que esperar. Sei só que já passou o meu tempo aqui, sentada sem mais nada que fazer. Agora é tempo de outros voos. 

fruta da época

Tenho saudades da mercearia do bairro. Aquela lojinha na qual entras e podes comprar cenouras ou ganchos para o cabelo. Onde os iogurtes vivem no corredor vizinho dos cremes para as mãos. Aquela lojinha onde há tudo o que precisas, para qualquer emergência. Quando ainda havia uma mercearia na minha vida, era eu muito miúda, as pessoas mais velhas não se rendiam aos supermercados e eram fiéis à lojinha onde encomendavam pão e pagavam as contas ao mês. Lembro-me de um Natal em que recebi imensas cuecas, todas iguais, mas de cores diferentes, tinha vindo um modelo diferente para a mercearia. Gosto desta coisa de olhar para o interior de uma loja e parecer-me tudo demasiado cheio, demasiado desorganizado, mas na verdade com uma arrumação incrível. E estas lojas têm mesmo tudo. Aliás, quase tudo… Faltam-lhes pêssegos em Dezembro.

40 cartas, uma história

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Olá, eu sou o António. O avô António. Daqui a uns anos os avôs vão chamar-se Rodrigo ou David e já ninguém vai ter o avô Zé ou Manel. Esta modernice nos nomes… Hoje fui ao jardim, vou lá algumas vezes. Sentei-me numa das mesas, sozinho. Na mesa ao lado dois avôs, como eu (com certeza nenhum chamado Miguel), a jogar dominó – o famoso jogo dos reformados. Não gosto muito de jogar mas gosto de observar, traz-me memórias. A minha predilecção sempre foi a sueca (e não, não vou fazer aquela piada fácil “mas também gosto de francesas e russas”). A sueca é um jogo de mudos – aprendi eu a entoar sempre que os adversários menos experientes faziam comentários sobre o jogo. Há algum tempo que deixei de jogar a sério. Com adversários e parceiros a sério. O meu parceiro partiu faz algum tempo. Foi também o meu professor. Foi com ele que aprendi qual a carta mais acertada a jogar, quais os sinais que devia fazer-lhe para que percebesse as minhas intenções, encobri-o numas quantas batotas… Fui

Manel, exististe mesmo?

Em minha casa não se fala de mortos. Fala-se de funerais, de x ou y que morreram esta semana, comunicam-se essas notícias. Mas não se contam histórias do avô Riquito que lançava o pião (só quando a Nazaré Caldeira se perde nas suas divagações), não sei nada do avô Alberto que morreu de acidente de mota, nem sei o nome da mulher do bisavô Manel e por isso minha bisavó, pouco sei do primeiro Facadas da família e as memórias que tenho da bisavó Cesaltina são poucas ou nenhumas. Ah, dizem-me que roubava a bengala à Ti Linor (que na verdade se chamava Leonor) e que a Ti Angelina (que nunca percebi se era da família ou não), quando veio o euro, me dava vinte cêntimos a pensar que era uma fortuna. E é raro, muito raro, que a conversa vá mais longe que isso. Porém, no meio destas pessoas todas, há uma com a qual tenho uma ligação especial e pela qual me emociono sempre que conto a nossa história. Esta pessoa é o bisavô Manel, do qual não tenho nenhuma recordação (daqui a pouco perceberão p

(12) Amor em Conserva

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Sentei-me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego. Já não estou ali. Fui transportada para o dia em que conheci este sabor. Estava sentada no murete da praia. E tu estavas comigo. Foste tu que mo ofereceste. Era o sabor do teu Verão, dizias. E, naquele momento, soube-me a ginjas . Estava um calor abrasador e aquele iogurte, tirado da tua malinha térmica, com que tantas vezes gozei, foi um oásis. Nunca mais pensei em tal coisa. Outro dia, andava eu, como sempre apressada, no supermercado quando os meus olhos se fixaram num sítio muito específico da vitrine dos iogurtes. O sabor a pêssego instalou-se de forma imediata na minha língua. Não consegui não pegar numa embalagem e trazê-la. Desde esse dia que me lembro de ti de cada vez que o meu serão sabe a pêssego. Penso em ti em todas as manhãs em que a minha mala leva um iogurte e uma colher. E sou obrigada a continuar a recordar-me de ti, porque já não compro outros iogurtes. Durante este Verão, que dista uns a

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Sentei-me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego. Já não estou ali. Fui transportada para o dia em que conheci este sabor. Para o dia de verão quente. Algures entre mergulhos e construções de areia em que tu apareceste. Lembro-me bem do teu sorriso de miúdo naquele dia, aquele que ainda tens , o corpo moreno e o cabelo loiro a esvoaçar à medida que corrias. Lembro-me de ti. Falaste comigo entre uma das viagens ao mar, trazias o corpo branco do salitre e eu tremia de frio. Perguntaste-me porque é que estava a ir embora, quando todos os nossos amigos estavam no mar e disseste-me se não queria ir jogar um qualquer jogo contigo, não me lembro qual, tinha-me perdido algures entre os teus olhos verdes. Tínhamos 15 anos e era final do verão, conhecíamo-nos desde o início e entre nós havia qualquer coisa para além da inocência. Nesse dia - como todos os outros fomos aos gelados - fomos todos, era ritual. Mas desta vez nós fomos ficando para trás, acho que o facto de me

(10) O teu sabor

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Sentei-me no sof á . Uma, duas, tr ê s colheres de iogurte de p ê ssego. J á n ã o estou ali. Fui transportado para o dia em que conheci este sabor. O teu sabor. O p ê ssego do teu batom. Foi na faculdade. Depois da nossa aula de desenho, escapei-me para a esplanada do bar. Sentei-me naquela mesa do canto e tirei um cigarro. Dois minutos depois, apareces tu. Fizeste quest ã o de ficar no outro canto da esplanada. Fiz de conta que n ã o sabia o teu nome. Fizeste de conta que nunca me tinhas visto. Fiz de conta que n ã o sabias quem eu era. Fizeste de conta que n ã o conhecias o meu perfume. Fiz de conta que jamais te tinha tocado. Fizemos de conta que n ã o nos am á vamos. Enquanto eu bafejava o meu cigarro, cruzaste um desafiante olhar. Respondi com um sorriso e o plano estava feito. Eu j á sabia o que fazer quando matasse o cigarro. Fugi dali em dire çã o à s casas de banho. Aqueles 20 metros que distanciavam a esplanada do corredor pareciam infinitos. Pareciam meses a d

(9) Lábios Sabor de Pêssego

Sentei-me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego. Já não estou ali. Fui transportada para o dia em que conheci este sabor. Estávamos sentados no sofá de minha casa. O crepitar do fogo na lareira, a chuva lá fora, nós enroscados numa manta. Disseste que tinhas trazido algo para eu provar. Levantaste-te e tiraste do saco que trouxeste dois iogurtes de pêssego. Ri-me. “Porque é que trouxeste dois iogurtes?” – perguntei-te. “Sabes que também tenho iogurtes cá em casa, não sabes? E além disso, está demasiado frio e só me apetece um leite quente”. Insististe mas eu não quis. Dizias que nunca tinha comido daquele sabor e que eram mesmo bons. Eras teimoso e ficaste chateado só porque eu não quis provar. Comeste o teu. Quando a birra te passou e me beijaste, senti o sabor do iogurte. “Hmmm, sabes a pêssego.” Quis comer o iogurte e não deixaste porque não provei quando quiseste. Fiquei amuada. Éramos cão e gato. Mas não nas coisas importantes, só nas banais. Agora já não está

(8) 4 colheres e 4 iogurtes

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Sentei-me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego. Já não estava ali. Fui transportada para o dia em que conheci este sabor. Seria provavelmente perto da hora do lanche e como num habitual domingo chuvoso, decidi tirar a tarde para por em dia a lista de filmes “que um dia vou querer ver”.  Aproveitei o fim-de-semana de volta a casa, depois de mais uma semana como estudante universitária na grande cidade de Coimbra e combinei jantar com as minhas amigas do secundário. Jantar, levou a café, café ao bar e do bar saímos já o sol tinha nascido. Apesar do sono, deu para pôr muitas conversas em dia, relembrar momentos passados, namoros trágicos e até mesmo quando a Luísa quase foi apanhada a copiar no teste de biologia para o qual, sem espanto algum, se havia esquecido de estudar. Era uma sensação estranha voltar a casa apenas aos fins-de-semana, fins-de-semana estes que são cada vez menos. Os transportes são caros, a matéria aumenta a cada hora de aula e novos laços

(7) Preencher Espaço em Branco Aqui

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Sentei-me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego. Já não estou ali. Fui transportado para o dia em que conheci este sabor. Sabor é a recomendação de hoje. Se procurar nas minhas recordações os que me deixaram um sabor duradouro, se fizer um balanço das horas em que me valeram, encontro-me sempre com aquelas que não valeram a pena. Foram meses perdidos. Até mesmo aqueles minuciosos segundos em que te tentei pôr um sorriso na cara, no fim não passaram de um tiro no escuro. Acreditei (e acreditei bem!), que desta vez tudo ia ser diferente, que eras tu a tal, que eras tu que me ias fazer acreditar novamente. Eras tu! Sussurrei-te ao ouvido, “fica comigo, és tudo aquilo que preciso”, e por várias vezes me deixaste crente em ouvir o que seria música para os meus ouvidos. Música essa que parou de ser cantada, porque carregaste no stop . Desilusão? Outra vez… Faz parte… E às vezes entregamos um coração inteiro e recebemos um todo estragado. E agora fica o medo. Medo de c

(6) Puro Sabor

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Sentei-me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego. Já não estou ali. Fui transportada para o dia em que conheci este sabor. Gosto de me perder em mim própria quando como iogurtes. É o mesmo quando estou no banho: surgem as melhores ideias e faço os pensamentos mais complexos do dia. Fiquei ali a saborear o iogurte como se fosse a primeira vez. Passou-me tudo pela cabeça: o que fui, o que sou e o que serei daqui a uns anos. As saudades da infância apertaram…era tudo tão mais simples. Estava a pensar nas coisas que fazia em miúda e que nunca mais fiz. Haverá idade limite para andar de baloiço? Não me parece…é certo…mas também nunca mais andei. E também nunca mais me lambuzei como fazia enquanto comia gelados. Tinha sempre a resposta na ponta da língua: “A máquina lava” - lambuzei-me até ao fim do iogurte. Penso mais no passado e no futuro que no presente. O presente é chato. Tenho sempre imensas coisas para fazer e normalmente nem tenho tempo para saborear iog

(5) Furacão

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Sentei- me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego. Já não estou ali. Fui transportada para o dia em que conheci este sabor . Inquieta-me a passagem do tempo quando o tempo por mim não passa. Espero por uma mudança que tarda em chegar. Há um passado que me amaldiçoa e não me deixa viver o presente. Anseio pelo futuro, anseio que o tempo traga mudança, que ela venha que nem um furacão e te leve de dentro de mim- estranha analogia esta, quando até nas palavras tu vens ao meu encontro. Dóis-me demais. Dóis-me quando penso em ti e dóis-me quando em ti não penso, não voluntariamente, como agora. Dóis-me quando me apercebo que vives dentro de mim, na minha casa, no sofá que já foi o aconchego dos nossos corpos, no corredor que vivenciou a volúpia de nós, nas paredes que encerram o teu cheiro, paredes essas que nunca foram capazes de te segurar, de barrar a tua ida. Dóis-me quando vives na rotina que um dia deixou de ser minha para ser nossa. Dóis-me quando umas simples

(4) Iogurte Mata-saudades

Sentei-me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego. Já não estou ali. Fui transportada para o dia em que conheci este sabor. Nunca gostei de nada que tivesse pêssego, e no que toca os iogurtes sempre preferi os de morango. Implicavas comigo por isso, e todas as tardes em que comíamos um iogurte ao lanche - tu de pêssego, eu de morango - já sabia que ias tirar a tampa e sujar-me o nariz com ela. Uma vez por outra lá o sabor a pêssego me chegava à boca, e eu, imediatamente, torcia o nariz. Imitavas a minha cara, e rias-te, como só a ti te vi rir assim. Tinhas um riso tão espontâneo, às vezes assustava-me de tão alto que era. Hoje tenho só saudades. É pelas saudades que hoje como iogurtes de pêssego. Um por dia. Ou mais, depende da falta que me fizeste naquele dia. Tu sabes, quando partiste eu não sabia onde me segurar, já não te tinha aqui para implicar comigo, e para me sujar o nariz. E no frigorífico, os iogurtes de morango acabavam, e ficavam os de pêssego à tua espe

(3) E a conta da saudade? Quem é que a paga?

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Sentei-me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego. Já não estou ali. Fui transportada para o dia em que conheci este sabor. Este aroma a fruto proibido, esta saudade que é alimento para a alma. E lá estávamos nós de mãos dadas a saborear a simplicidade da vida, a encher o nosso dia de emoções com a certeza de que o mundo era nosso! Deitados e descalços a sentir os grãos da areia molhada, completamente desprevenidos e alheios às ondas que a qualquer momento podiam juntar-se a nós sem avisar. Eu era assim contigo. Não achava nem pensava, só estava. Sempre inteira e sem reservas.  Ria-me de ti e das tuas piadas que eram tentativas mirabolantes de me fazer sorrir. E conseguias sempre, eras mestre nessa arte, o meu palhaço de eleição, o centro de tudo. Não sei se te lembras daquela vez (e a vontade que eu tenho de recuar no tempo…) em que o teu único objetivo era curar outra das minhas crises existenciais e, no meio da rua mais movimentada de Lisboa, me fugiste.

(2) Iogurte de Pêssego & Memórias de Infância

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Sentei-me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego. Já não estou ali. Fui transportada para o dia em que conheci este sabor. A minha infância foi revivida em câmara lenta na minha mente. E depois cheguei ao dia em que a minha mãe resolveu comprar os tais iogurtes de pêssego tão famosos, aqueles que todos os santos dias passavam nas publicidades dos canais que víamos. Tanto a chateei, que acabou por comprá-los. Por mais estranho que isso possa ser, lembro-me que parecia uma criança com um brinquedo novo, enquanto a única coisa de novo que havia ali era mesmo o iogurte em si. E foi então que, sentada no baloiço já velho que continuava no jardim, abri o iogurte, para contemplar um conteúdo creme. Levei a colher, pela primeira vez, ao seu interior e retirei um pouco – poderia não gostar e assim começava por pouco, só para experimentar. Levei a colher à minha boca, ansiosa por sentir aquele sabor. E foi então que percebi. Era só o melhor iogurte que já tinha comido n

(1) Renovando o Destino

Sentei-me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego. Já não estou ali. Fui transportada para o dia em que conheci este sabor. Aquele final de tarde de outono parecia uma bênção para quem não aproveitou o verão como quis e planeou uma vida ao sabor do vento quente. Já não era julho nem agosto, setembro já tinha acabado e foi em outubro que tudo reapareceu. Senti que o destino estava à espreita e cruzámo-nos ali mesmo, à porta do ginásio que ambos frequentemos há tanto tempo e que nunca nos tinha proporcionado um momento destes. Já não sabia o que era olhar para ti, ver a barba descuidada e um ar de miúdo que não quis crescer. Imediatamente apareceram as memórias que me diziam ''percebes agora o que ele tem a mais do que os outros?''. Não, continuo sem perceber. E acho que é assim que quero continuar, porque no dia que perceber e decifrar o que há por trás dessa imagem de durão que se arrepia se lhe passar as unhas no braço, a magia acaba. E se ela dura h

"fusing_brains"

Há um ano e pouco desafiei os meus amigos a serem a minha voz, a completarem um texto meu. As colaborações foram fantásticas e o desafio no blog foi um sucesso, na minha óptica (vejam  aqui ). Decidi então repetir a brincadeira. Alguns dos participantes são comuns. Outros foram seguidores do anterior e partilharam comigo que gostavam de participar. O que é que este traz de novo? Uma das convidadas é alguém que só conheço entre as linhas do seu blog, e entre os restantes há também uns quantos bloggers. Não podia deixar de partilhar estes tesouros convosco. Obrigada por estarem desse lado. O ponto de partida: Sentei-me no sofá. Uma, duas, três colheres de iogurte de pêssego. Já não estou ali. Fui transportada para o dia em que conheci este sabor. O desafio deste ano chama-se "fusing_brains" e terão acesso a ele uma vez por dia. 

Simulacros e outras tretas

No meio da minha rotina hoje tive a excepção mensal, o dia de ir à vacina (mais ou menos como os bebés, todos os meses). Perdi a manhã inteira entre salas de espera, secretariados, “vais para ali… e agora para acolá”, o corre-corre que é sempre uma manhã destas no hospital. O tempo passa e passa. A vacina acaba e já tenho pouco mais de meia hora para sair dali, almoçar e ir para as aulas. Decidi ir ao centro comercial comer qualquer coisa rápida. Na porta está um aviso: simulacro. Por distracção, demora na assimilação da mensagem e depois preguiça de voltar atrás fiquei sem saber a que horas se daria o dito cujo. Bem sobrou-me assunto de reflexão para o resto do dia. Acho que sempre achei estes simulacros avisados inúteis. Não servem para testar a eficácia das evacuações já que as pessoas sabem perfeitamente que não correm perigo e como tal continuam a passear-se até à saída de emergência. Não servem para controlar o pânico porque, na verdade, não há pânico. Tudo se processa em câma

Novas guerras: check-in

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Uma vez li em algum lugar que os aeroportos são o sítio onde mais demonstrações de amor se vêem. Concordei de imediato mas nunca pude compreendê-lo tão bem como há uns dias. Quem parte leva novos sonhos, novas ideias, promessa de novos sítios, novos futuros e, mesmo que vá contrariado, não tem de conviver com a ausência materializada nos sítios onde costumavam estar juntos.  Noutros tempos, os portos tinham esta função, a de serenata ao luar . Os barcos partiam, levando para a guerra corpos e almas que deixavam cá metade de si. Hoje, os aeroportos têm os postigos que, outrora, tinham os navios. Vêem-se partir, agora em aviões, os nossos para outra guerra - a busca de uma nova vida. Quem fica vê na porta de embarque o portal para o outro mundo. Um mundo desconhecido que absorverá os seus filhos, maridos, mulheres, amigos e amigas. Sim, agora não se trata de uma chamada aos rapazes de dezoito anos. É, antes, uma ida de qualquer um que precise de lutar pela sua vida.  Quando estava p

amor a bordo

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Neuss, 4 de Setembro de 2014 Querida Coimbra, Tenho-te longe e tenho sentido a tua falta. Por estas bandas as coisas são diferentes. Não nego que tenho sido feliz por cá mas preciso de ti. Para mim, a Alemanha é o país das bicicletas (ainda que só conheça este pedacinho quase mais pequeno que tu). A toda a hora, em todo o lado se vê alguém de bicicleta. Não penses que são profissionais ou obsessivos com o desporto, usam-na pela sua utilidade. Podes vê-los de fato e gravata com a mala no cesto da bicicleta, a caminho do trabalho. Há pistas e estacionamentos em todo o lado. Esta gente sabe o que faz! Esta cidade tem um cheiro característico, dizem que é a papel. Não ao papel novo de livros por abrir, antes a papel durante o seu fabrico, há por aqui uma fábrica.  Há muitos portugueses em Neuss. É agradável ouvir gente a falar português. Ir a um café da nossa gente ou simplesmente ir pela rua e perceber o que quem está ali ao lado diz. Sabes o que esta semana me deu? V

viagens ao ontem

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Se vives numa aldeia com cafés e nenhum deles se chama "Ponto de Encontro" ou "Café Central" põe o braço no ar. Às vezes esforço-me por encontrar memórias da minha infância e não sei delas. Parece que as perdi. Ou que não sei onde as guardei. Lembro-me de uma ou outra coisas soltas e nem lhes sei o contexto. Outras vezes, graças a ninharias que parecem a ponta de um novelo, encontro metros e metros de recordações. E hoje foi um café, perdido no meio da Serra do Caramulo, com o famoso nome de "Ponto de Encontro".  Oh, o meu "Ponto de Encontro"... A minha mãe trabalha por turnos há anos. Quando eu era miúda, sempre que ela fazia o turno da noite, dormia em casa de uma das minhas avós. Sempre que dormia em casa da minha "avó de lá de cima" (era como eu a distinguia da outra) a minha mãe ia almoçar connosco no dia seguinte. Ainda antes de ela chegar, eu ia ao café. - Traz um sumo dos grandes, assim dá para as duas e fica para o

(des)conectado automaticamente

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- Eu vou mais cedo. Ajudo-te a pôr a mesa. Subi as escadas, as mesas estavam a ser montadas na rua. Fui buscar os pratos. Estranho como esta era a tarefa que mais detestava e como agora consigo percebê-la como mais um momento de comunhão. Quem nunca aproveitou o momento em que se põe a mesa para trocar confidências com quem está a cozinhar? Estávamos todos, hora de sentar. Chateia-me as pessoas que começam a comer ainda antes de estarem todos sentados. Há quem tenha jeito para chegar à sobremesa antes de outros terem posto sequer a colher dentro da sopa. E isso tira-me do sério.  - Adoro as batatas assim. Estão mesmo boas. Melancia para a sobremesa. Que se abra mais uma garrafa de vinho. Abstraio-me. Ouço a rolha saltar. E agora apreciem! Apreciem o chapinhar do vinho a cair no copo. E pára tudo. Que se silencie o mundo. Quero ouvir só isto. Risos soltos. Uma noite quente. E ainda o vinho a cair no copo.  "A melhor rede social ainda é uma mesa rodeada de amigos.&quo

imperativo

Mantém-te firme naquilo que és. Rege-te pelas leis que o teu ser criou. Faz do teu objectivo uma realidade concretizada. Alcança assim o (quase) missão cumprida. Corrige-te! Torna original cada pormenor da tua personalidade. Bate com a cabeça, cai. Levanta-te. Ergue-te ao sol. Mostra que vieste para ficar, que estás pronto para, num só sopro, fazer voar e desaparecer cada réstia de pó que teima re lembrar a queda. Cura as feridas mas guarda as cicatrizes. Sonha. Voa. Volta a cair, mas experimenta uma nova técnica. Não queiras morrer estúpido. Comete erros diferentes! Arrisca! Cresce e faz crescer! Não te deixes ser uma bola de neve. Não te deixes, simplesmente, ir. Faz por tomar as rédeas, por decidir o teu próprio rumo. Não te prendas por rodeios sem nexo nem deixes de ser quem és. Não esqueças que podes ser o melhor exemplo e que depende de ti o teu desfecho, o desenrolar da tua história. Tu és o que és. Mas podes limar arestas e afiar vértices! Tu fazes de ti aquilo que queres desd

Quinze dias ou três semanas

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Agosto é o mês das festas. Agosto é o mês em que as casas fechadas durante todo o ano vêem a luz do dia, através das janelas escancaradas.  Agosto é o mês em que vemos mais carros estrageiros que portugueses. Agosto é o mês em que todos os emigrantes da família estão por cá. Oh, já chegaram! Estão cá quase todos. Devo ser a única pessoa neste país que não tem família em França (ou na França, como dizem as mães idosas cujos filhos partiram além fronteiras). Mas tenho na Alemanha e na Suíça e já tenho amigos em Inglaterra. Outro dia questionava-me sobre o que vou fazer com o meu primeiro ordenado e talvez a resposta seja: poupá-lo o mais possível para começar o pé de meia para as viagens. Tenho imensos destinos de sonho. Mas estes, onde está um pedaço de mim, deixam-me curiosa. Saber como é o seu dia-a-dia, o que se faz por lá, o que os deixa felizes, aquilo de que não gostam. Não estamos a falar de alguém que foi de férias, falamos de alguém que, sem outra alternativa, abandonou a

ordem (pouco) natural

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Quando olhamos para pessoas com mais de sessenta anos é frequente esquecermo-nos que já foram novos. Ou melhor, esquecermos que já sentiram a força da vida como nós a sentimos. A minha irmã até acha que as pessoas deviam mudar de nome a meio da vida, pois há nomes que não encaixam bem em certas idades. Como isto, é frequente esquecermos que também, como nós, cultivaram afectos. Esquecemo-nos que também sofreram nos seus amores de adolescência, mesmo que só tenham tido um e que seja o actual. Esquecemo-nos que sofreram de bullyng , apesar de na altura não haver um nome pomposo para isso. E esquecemo-nos que tiveram irmãos. Mesmo que hoje ainda os tenham. É-nos difícil ver neles uma relação de irmãos, porque não os vemos viver na mesma casa nem andar às turras a toda a hora. Quase os vemos como amigos que nasceram da mesma mãe. Porém nas horas de aperto, percebemos que são tão irmãos ou mais do que aquilo que somos hoje. Eles foram irmãos noutros tempos, tempos em que ter mais que 5

Conhecimentos adquiridos

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Eu, estudante de um curso de letras, dou por mim sentada num mini-anfiteatro a ter uma unidade curricular (que agora já não se pode dizer cadeira) denominada guionismo, que eu achava que ia ser extraordinária e afinal não foi assim tanto (mas isso dava outro texto), em que me falam da simpatia para com o anti-herói, ou seja, uma espécie de empatia e até identificação para com o vilão da história. Da primeira vez que ouvi isto achei que devia andar a ver os filmes errados ou então que não percebia nada disto e que nunca tinha sabido detectar o tal anti-herói. Qual não é o meu espanto quando ontem, no autocarro, com uma situação real e que se estava a passar ali, diante dos meus olhos, eu percebo exactamente o que se quer dizer com a tal expressão «simpatia para com o anti-herói».  Entro no autocarro quase vazio. Sento-me no par de bancos imediatamente atrás da porta de saída. Está um calor abrasador e sei, pela minha experiência invernal, que as portas dos autocarros velhos estã

(besteiras de meia noite)

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Tenho saudades tuas, Amor. Tenho saudades daquele teu jeito de me fazeres cócegas na barriga, da tua capacidade de me pores sempre a rir. Tenho só saudades tuas. "Quantas vezes eu já comi pensando que este vazio era fome." e não é! É só a tua ausência, esse teu jeito de estar longe. Mas sim, eu já percebi que tentar forçar-te não resolve nada, tu vens quando queres e te apetece. Tens a mania... Tudo bem. Mas macacos me mordam se eu não hei-de estar à tua espera, acordada, até que me ardam as pálpebras. Não deixo mais que me passes ao lado. Tenho saudades tuas, Amor. 

salário mínimo

- Recebi hoje o cheque da reforma, tenho medo de ir levantá-lo sozinha, não queres vir comigo? E eu vou, mesmo sabendo que tenho apenas dez anos e que se quiserem assaltá-la isso não faz qualquer diferença... Saímos cedo para sermos das primeiras a ser atendidas nos correios. Na noite anterior durmo lá em casa para facilitar todo o processo. Pequeno almoço: torradas com manteiga.  Dinheiro na mão. Separamo-lo em bolsas diferentes, suponho que para salvaguarda, e guardamo-las em compartimentos diferentes da mala. Vamos agora ao mercado. Acho que nunca fiquei muito atenta ao que se passa por lá, não me lembro dos pregões ou dos cheiros (que eu sou perita em guardar). Subimos as escadas rolantes (sim, este mercado novo tem escadas rolantes)... Não, na verdade vamos pelas normais, ela sempre teve muito medo de escadas rolantes. Subimos as escadas tradicionais e vamos espreitar as banquinhas de roupa do primeiro andar.  - Escolhe uma camisola, gostas desta? Leva.  E lá venho eu par

Olfato.

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(dissertações) Se o dia te correr mal, come um pêssego. Mesmo que não seja o mais doce do mundo, come-o. E pensa em todo o tempo que perdeste a lamentar-te por amargos de boca sempre que comeste pêssegos. Pensa em todos os sorrisos que desperdiçaste. Acaba de comer o pêssego. Saboreia-o até à última dentada. Se for suficientemente suculento, deixa que o sumo te escorra pelos pulsos, até se aproximar dos cotovelos. E se tiveres sujado a cara toda, melhor ainda. Ri que nem uma criança. Depois limpa-te. E sorri ao lembrar esses súbitos momentos de insanidade. Esquece o pêssego e segue a tua vida. Vai cumprindo o plano que tinhas para o resto desse dia. E ao primeiro tropeção, leva a mão à cara e sente o cheiro que o pêssego lhe deixou. Lembra-te, então, que o Verão chega sempre. Pode chegar mais cedo ou mais tarde, mas chega. E com ele vêm os pêssegos maduros e doces. E quando eles chegarem, podes lambuzar-te a sério, porque a vida não é para comer de faca e garfo .

Água Fresca e Coração Quente... Com Açúcar

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6h30. O despertador toca. 7h40. O autocarro não espera. 8h30. Se não estás, a porta fecha-se. 12h30. Já há fila na cantina. 15h. Os apontamentos não se passam sozinhos. 18h. Quantas páginas faltam estudar? 20h30. Ajuda-me a levantar a mesa. 22h. Falta formatar o trabalho. 23h50. Desisto. 00h00 Vou dormir. (E se isto fosse uma música, nestes parêntesis estaria escrita a palavra "BIS" - e podia ser um BIS de Besta Insensível mas Sexy, mas não, seria só de repetição.) Assim têm sido os últimos dias, tal e qual aquela imagem que se tem tornado viral no Facebook  e que diz que tem x dias para salvar o semestre. Assim tem sido a minha vida. Este semestre, este ano passou a correr. Como diz a minha mãe, "mal tive tempo para me coçar". Só eu sei a quantidade de vezes que achei que ia perder a sanidade mental (a pouca que me ficou da AE no secundário e outras coisas mais dentro do género). Olhando bem, houve dias que pareceram ter 50 horas e semana