#01 - CHEIROS

Sou uma maluquinha das coleções. E gosto! Acho que se me chamarem assim me sinto meio que elogiada. Não sei de onde me veio o bichinho, nem quando começou. Mas já tive uma coleção de porta-chaves, uma de isqueiros, uma de postais, tentei continuar uma coleção de canetas do meu pai, já tive uma coleção de pacotes de açúcar, primeiro cheios, depois vazios. De momento coleciono galos de Barcelos e sou grande fã de tudo o que tenha a ver com globos e mapas. Posso considerar os livros uma coleção? A acrescentar a isto, guardo tralha! Desde recordações, a caixas (que um dia podem ser precisas para qualquer coisa), revistas de determinado tema... Digamos que daqui a uns anos a minha casa há-de assemelhar-se àquelas garagens que aparecem nos leilões da televisão. Garagens cheias de coisas que ninguém sabe muito bem o que é, como está organizado e o porquê de estar ali. E por muito estranho que isso vos pareça, agrada-me tanto esta ideia...
Apesar de já me ter estendido por um longo parágrafo, a minha (boa) intenção era parar na coleção de pacotes de açúcar. Uma coleção que depois da febre Nicola é comum, mas na altura, do cimo dos meus dez ou onze anos, me parecia o máximo. Concluo agora que o meu desinteresse pela coleção seria inevitável, mais cedo ou mais tarde. A maior e mais forte razão: eu não bebia café e quase todas as pessoas à minha volta colocavam o açúcar no café; portanto eram raras as ocasiões para obter pacotes intactos e bonitinhos para a coleção. Fi-la na altura errada. Agora pegou moda beber café sem açúcar. E o meu pai faz dos bolsos do casaco e do porta-luvas do carro um pequeno armazém. Hoje chegou a casa de mãos cheias. E a minha mãe agradece. É a única pessoa cá em casa que usa açúcar para o café e assim escusa de o comprar.
Não percebo pessoas que bebem café sem açúcar porque eu não lhe suporto o sabor nem com um quilo de mel. Sim, eu faço parte do grupo diminuto de pessoas que não bebe café porque simplesmente não gosta de café. Podia ter desculpas mais saudáveis ou eruditas. Mas não, eu simplesmente não gosto.
Todavia há um que eu suporto. Suporto porque é misturado com leite e suporto por todas as memórias que me traz. O café de chicolateira, como as mulheres da minha família sempre lhe chamaram. Um café de cevada, fraquinho, que se faz em cafeteiras com filtros e que, para mim, é símbolo de lanche à mesa. Quando a minha mãe perguntava "Querem que faça café?", além de um sim convicto, seguiam-se sempre duas chamadas telefónicas, do telefone fixo, uma para cada uma das minhas avós. "Estou a fazer café, venham cá lanchar!". Na mesa punham-se canecas, o pão, o fiambre, o queijo e às vezes o requeijão comprado na mercearia do cimo da rua. Havia sempre alguma das avós que trazia um folar, um bolo de Ançã ou que, à pressa, tinha feito umas filhoses de farinha (das quais também aprendi a gostar). Lanchávamos, conversávamos, "cortávamos em casaca alheia", passávamos um bom bocado e depois cada uma ia à sua vida, de barriga (e alma) cheia, creio eu.

É então por tudo isto, pelas memórias, pelas saudades das filhoses de farinha e pelo docinho do café de chicolateira que, hoje, eu estou grata pelo cheiro do café quente, sobretudo no inverno.

Comentários

Anónimo disse…
Gostei do que li e do senti, cheiros da nossa vivência da nossa memória. Uma das memórias mais gratas para mim é o cheiro do pão a cozer em forno de lenha. O tempo e o espaço ficam suspensos, com todas as imagens sensitivas que se instalam em mim.
Miguel