#08 - LIVROS

Quando estudamos há sempre monstros que nos assustam: o cadeirão do curso, as médias para entrar na faculdade, os exames... O monstro que povoou os meus dias, no 11º ano, algures entre o estudo de Física e Química e o de Biologia e Geologia, foi o Saramago. O homem que escreve sem sinais de pontuação. Os malditos, que eu levei tanto tempo a aprender, que me tiraram tantos pontos nos testes... Agora vem este e nem sequer os usa. E eu que me amanhe a entendê-lo e a fazer um exame sobre ele, do qual depende totalmente a minha entrada na faculdade.

No final do 11º ano, a Manela, minha professora de português, aconselhou-nos a começar a pegar no "Memorial do Convento" nas férias. Para nos irmos habituando à escrita, para nos familiarizarmos com a história, para não a lermos pela primeira vez nas aulas. Para a maior parte dos meus colegas, tenho a certeza que aquilo entrou e saiu. Toda a gente andava preocupada com outras coisas e aquilo não era de, forma nenhuma, prioridade. Mas eu não (esta mania de ser diferente...). Fui para casa e lembrei logo os meus pais de que precisava de comprar aquele livro. "Então, mas ainda falta tanto!", diziam eles. E eu ripostava, que a professora tinha dito, que aquilo ia ser muito difícil para mim e que por isso tinha de ler mais do que uma vez (foca!).

Nesse ano, passados os exames, fui de férias para Tenerife com os meus pais. E levei-o. Viajei de Saramago debaixo do braço. Não para parecer uma pessoa culta, mas porque eu precisava mesmo de ler aquilo. Inicialmente tive de fazer um esforço por me manter atenta, por perceber, por me entender com aquela forma de escrever e de estar. Depois de me habituar, apaixonei-me. Apaixonei-me por uma mulher, de sua graça Blimunda Sete-Luas, que via as pessoas por dentro. Apaixonei-me por um maneta, de seu nome Baltasar Sete-Sóis, que perdeu a mão na guerra. Apaixonei-me por um padre, Bartolomeu de Gusmão, que tinha a certeza que uma passarola podia voar com a vontade das pessoas. Mais do que tudo isto apaixonei-me pelo talento e pela forma de estar no mundo do Saramago, pela sua capacidade de dar às coisas vulgares outros nomes, outras caras, outras formas...

Devorei-o. Devorei-o em forma de sobremesa, de ceia antes de deitar, de pequeno-almoço à beira da piscina e de bola de berlim no areal negro das Canárias. Fiquei triste por não poder ir a Lanzarote e ansiosa pelo próximo livro de Saramago.

Por isso, hoje eu estou grata pela minha estante, por todos os livros que para lá comprei, por todos aqueles que (felizmente) li antes de emprestar, e por ela estar mais rica desde que pus lá um Saramago. Hoje eu estou grata pela capacidade que um livro tem de nos apaixonar e de nos envolver em algo que não é nosso, mas que passa a ser, nem que seja só um bocadinho. Obrigada ao Saramago, à Manela e ao Memorial do Convento.

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