#12 - TEXTURAS

(Segue-se um "super" aparte, daqueles tão grandes que nem merecem parênteses - isto é o aparte sobre o aparte.)

Talvez este seja o tema ideal para mim, o mote certo... Eu que não tenho qualquer problema em mexer em veludo ou seda, como algumas pessoas que conheci. Eu que não gosto de cabelos, mas que não tenho qualquer problema em mexer-lhes, como alguém que conheci, para quem até atar o próprio cabelo era uma tortura. Eu que não tenho grande stress com texturas "táteis", mas que não gosto de espinafres porque são muito macios. Eu que só como bananas maduras, porque as verdes me deixam a língua a arrepanhar (não, não é esta a palavra, mas não encontrei outra que explicasse aquela sensação de... nhac). Eu, que quando não gosto de qualquer comida, na maior parte das vezes explico com "é a consistência", ou "o sabor não é mau, mas a textura...". E ainda que tudo isto pudesse tornar o mote de "hoje" adequado para mim, dispensei algum tempo a pensar sobre o que ia escrever, sobre qual a textura que inspira em mim algum tipo de gratidão.

(Agora chegou o momento em que fingimos que não lemos tudo o que está para trás e começamos a ler o que se segue, como se do zero partíssemos.)



Não sei se alguma vez quis ser filha única. Sei só que me contam histórias dos esquemas que inventava para pedir um irmão. Sim, um irmão. Porque ao contrário da maior parte das meninas, eu nunca quis uma irmã para brincar comigo, queria um irmão. E nem sei bem por quê.

Quando a minha irmã nasceu, ou quando vinha a caminho, já não sei bem, começaram as obras lá em casa. E eu chorei muito por ter de mudar de quarto. Não que aquela divisão fosse desaparecer, mas ia deixar de ser como sempre a conheci e acho que o meu maior medo era esquecer-me de como era.
Não esqueci. O roupeiro embutido à esquerda, ainda hoje lá está. A cama ao fundo, encostada à parede do lado direito. Um candeeiro cor de rosa na mesinha de cabeceira e outro igual no teto. Ao fundo da cama, uma escrivaninha. E, numa prateleiras junto ao teto, peluches, muitos peluches. Passava lá pouco tempo, mas a ideia de lhe perder a memória atormentava-me. E do alto dos meus seis anos, chorei sozinha deitada na cama.

Depois veio a minha irmã. Nasceu no virar do milénio, diziam que ia acabar o mundo. E para as minhas bonecas, de facto, acabou! A implacável I. conseguiu arrancar tudo o que era perna de barbie, cortar cabelos, espatifar brinquedos e tudo o que pudesse ser deixado em herança.

Como qualquer par de irmãos, tivemos muitas fases. O período em que ela era pequenina e por isso eu mal lhe tocava com medo de partir. A fase em que ela fazia de mim "gato-sapato" e eu não reagia porque, lá está, ela era pequenina. A fase em que eu achei que tinha de fazer o papel de mais velha e responsável e ralhava com ela e lhe dava umas palmadas no rabo quando ela se portava mal, todos os dias, mais ou menos. A fase em que nada podia ser dito ao pé dela, porque ela se matava por ter qualquer coisa para contar aos meus pais. E a fase em que estamos agora, que já dura há um tempo em que somos, posso dizer, amigas. Ela consulta-me quando precisa de falar com os meus pais de coisas delicadas, pede-me ajuda e conselhos e por isso acho que sim, que somos amigas. (Ó gaita, estou a ficar comovida e não dá jeito nenhum).

Seguindo... Uns anos depois nasceu o meu primo, o J., que é quase meu irmão. Aquele irmão que eu queria ter, lembram-se? Temos quase 12 anos de diferença e por isso o meu olhar sobre ele sempre foi diferente. Mais uns aninhos e nasce o meu afilhado, irmão do J..

E eu tive muito medo quando soube que ia ter mais um primo, e mais medo ainda quando soube que ele ia ser meu afilhado. Tive medo de ter de deixar de gostar do J., tive medo de os tratar de forma diferente, de privilegiar um em detrimento do outro... As coisas foram acontecendo, e passando aquela fase inicial em que o D. precisava de mais atenção por ser bebé, acho que sempre encontrei um bom equilíbrio. Nem sempre tenho paciência para eles (para os três aliás), mas sempre tive uma forma muito própria de lidar com o J. e a maturidade e responsabilidade do apadrinhamento fez-me olhar para o D. de um jeito que nunca antes tinha olhado para ninguém.

Gosto dos três de forma muito diferente, mas já não acho que isso seja mau. É até muito bom. As circunstâncias, a nossa personalidade e a de quem está do outro lado da barricada enriquecem as relações e tornam-nas todas diferentes entre si.

E com toda esta história, suponho que estejam a perguntar a que raio de textura me refiro... E ainda que tudo isto pareça despropositado e tenha tomado um rumo nada a ver com aquele que era o planeado, a textura por que estou grata é a pele de bebé, a pele dos meus bebés, a pele no geral, aquela que permite o contacto e o sentir do calor humano. Hoje estou muito grata por isso!

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